O que a literatura pode aprender com um diretor de cinema
como Christopher Nolan?
Nos
primórdios do Cinema, a influência da Literatura foi peça-chave para o
desenvolvimento do gênero. Muitas das primeiras grandes produções são
adaptações de romances clássicos ou roteiros explicitamente inspirados
neles. Não esqueçamos, vários escritores passaram temporadas em Hollywood para
fazer dinheiro.
Mas os tempos mudaram.
Hoje é o tempo em que a influência volta. A força
arrasadora do Cinema enquanto meio cultural é inegável, tendo se tornado um
objeto muito mais interessante do que a Literatura para a grande massa. Não é
raro ver grandes escritores afirmando a influência de diretor x ou y. A
literatura, porém, parece ter se tornado mais do que nunca, talvez mais do que
nas eras de poucos letrados, em arte de nicho, voltada para um público cada vez
menor.
Como chegamos a essa situação?
Podemos dizer que Cinema e Literatura fizeram
caminhos inversos. Em 1900, a sétima arte era ainda uma arte a engatinhar.
Fazer um filme era caro, trabalhoso, além de não se ter grande certeza de como
se fazer. O primeiro grande clássico datado, o francês La voyage dans la lune (Viagem à lua), de Georges Méliès, é de 1902 e
baseado em obras de Julio Verne. O Cinema aprendeu muito desde então, muito
observando e remodelando estruturas da Literatura.
(...)
Christopher
Nolan, em 2015, é provavelmente um dos grandes expoentes do aprendizado. É
fácil ver como ele aprendeu com os grandes filmes de suspense e detetive, assim
como é fácil ver suas influências literárias. O amor pelos labirintos e enigmas
(Jorge Luis Borges), por detetives durões (Raymond Chandler e James Ellroy).
Nolan trabalha com temas universais e caros à humanidade: a questão da
memória e da verdade (Amnésia), o que é falso e o que é verdadeiro (O grande truque),
até que ponto um sonho e a realidade são o que são por nossa vontade (A origem). Isso,
no entanto, não o impede de trabalhar com tramas interessantes, cheias de
viradas, que quebram a expectativa da maioria. A grande sacada de Christopher
Nolan é ser profundo sendo acessível – ou vice-versa.
A Literatura, de forma geral, perdeu esse conceito.
Se há um momento que demarcou a separação entre arte de escrever e público
foi a ascensão das vanguardas. A arte não era um objeto a ser entendido, a ter
sentido, era coisa para poucos, uma massa pequena formada por intelectuais etc.
etc. etc. Conceitos simples, como enredo, foram jogados fora. O crescimento do
estudo linguístico enquanto área do saber só causou mais estragos. O esforço em
prol da linguagem foi tamanho que tudo mais foi jogado de lado. Ulisses, de James
Joyce, virou o grande marco dessa era: um livro muito citado, pouquíssimo lido.
Altamente experimental, torna-se enfadonho para a grande maioria, mesmo dentre
os letrados, pelo simples fato de não levar a nada. É o experimento pelo
experimento.
E meu caso não é o problema com a linguagem. Sem
ela, não há Literatura. Uma boa obra é metade linguagem, metade engenho. O caso
é que o engenho, no caso da narrativa, a trama e a fábula foram abandonados em
favor de uma invenção de linguagem duvidosa.
Exemplifico o caso nacional, adorador de ideias
vazias que nunca levam a nada além dos muros da academia, o romance Barreira, de
Amilcar Bettega Barbosa (para ler o início, clique aqui). Duzentos e sessenta
e quatro páginas de parágrafos sem fim (há capítulos compostos de um longo
parágrafo, sem ponto final, escrito em “prosa poética”), nos quais
absolutamente nada acontece. Não há ação no sentido mais básico da palavra. Não
há ideias expostas. Não há nada. Apenas tediosos e infinitos parágrafos. Quem
tiver coragem de abrir o link acima (e eu não recomendo), verá que é um jogo
sem fim de falar e falar e falar, juntando frases e mais frases sobre frases no
intuito de trabalhar a linguagem ao ponto de que nem notemos a falta de
pontuação numa tentativa de lirismo. A literatura brasileira e mundial estão
cheias desses tipos.
Esses autores, dados a invenções voltadas para
acadêmicos (e livros assim apenas servem para esse público), poderiam
aprender algo com Christopher Nolan: invenção não significa tédio, enredo ainda
faz sentido, ser profundo não é ser incompreendido.
Fonte:
Homo Literatus
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