Dossiê Lições de 1964: quatro títulos
abordam, cada um sob o seu ponto de vista, diferentes fatos e os desdobramentos
do Golpe
1964 em ritmo de
aventura
Com fartura de detalhes e texto fluente, numa
narrativa projetada para atrair o leitor, 1964 - O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil (Civilização
Brasileira) traça um quadro ao mesmo tempo amplo e detalhados dos
acontecimentos do início dos anos 1960, levando o leitor para o centro dos
acontecimentos. Num dos bons trechos do livro, por exemplo, vemos Jânio
Quadros, após sua renúncia, isolado no aeroporto de Cumbica, à espera de que a
República clame por seu retorno, enquanto Jango bebe champanhe em Cingapura,
brindando “ao imprevisível” e o Jornal do Brasil anuncia
que os sindicatos pediam a volta de Jânio. A disputa pela liderança dentro do
PTB, envolvendo Brizola, Jango e San Tiago Dantas, é outro aspecto bem
explorado pelo livro. Jorge Ferreira, biógrafo de Jango, e Angela de Castro
Gomes, especialista na trajetória do trabalhismo, são os autores dessa obra de
grande fôlego. A maior fonte, explicitam os autores na apresentação, foram os
jornais e revistas da época. E uma das grandes preocupaçôes: derrubar a noção
de que o golpe não teve apoio de lideranças e de grandes parcelas da população
civil.
A ditadura nas páginas dos jornais
Carlos Chagas, mestre do jornalismo, repórter daqueles cujas fontes não são o
Google e a Wikipedia, astuto observador das intrigas e movimentos das raposas
felpudas de Brasília, lança mão de centenas de recortes de jornais para
dissecar os bastidores da ditadura, com suas intensas e constantes lutas
intestinas envolvendo generais e lideranças civis. A ditadura militar e os golpes dentro do golpe (Record) acompanha, por exemplo, o então ministro
Costa e Silva indo de quartel em quartel em Realengo numa noite de 1965, para
exigir dos coronéis-comandantes de cada unidade que respeitassem sua liderança
e não “descessem” para ocupar o Maracanã e impedir a apuração dos votos da
eleição que daria a vitória a Negrão de Lima no pleito para o governo da
Guanabara, em 1965. O imbróglio que se seguiu é destrinchado passo a passo pelo
repórter e culmina com a instituição do AI-2, que, entre outras coisas, extinguiu
os partidos políticos, determinou que os “atos revolucionários” ficariam
excluídos de apreciação judicial e autorizou o presidente a decretar o recesso
do Congresso Nacional.
Os tentáculos do regime
A primeira edição da coletânea O Golpe de 1964 e o Regime Militar (Edufscar), organizada por João
Roberto Martins Filho, foi ao prelo em 2006 e tornou-se um referencial para o
estudo da ditadura. Trazendo um ótimo time de pesquisadores e abrangência
temática ímpar, o volume cobria em seus artigos assuntos como cultura,
sexualidade e política externa, pouco explorados nas coleções sobre o tema.
Entre os destaques estão o artigo O anticomunismo militar, no qual Rodrigo Patto Sá Motta
defende a tese de que a principal força aglutinadora da coalizão que possibilitou
o golpe foram os temores da implementação, por parte do presidente João
Goulart, de um regime autoritário de base esquerdista, e a análise de Julianna
Gazzotti sobre o discurso do Jornal da Tarde nos anos posteriores ao golpe, que,
segundo ela, defende, endossava a posição do governo em relação ao combate à
oposição armada e os comunicados oficiais em resposta às denúncias de
tortura, vistas como casos isolados. O livro ganha reedição agora, na
esteira do aniversário dos 50 anos da ruptura democrática.
Dilemas que, 50
anos depois, permanecem
Na apresentação de A ditadura que mudou o Brasil (Zahar),
os organizadores lembram que muitos aspectos o legado de 1964 seguem à espera
de soluções satisfatórias: “o autoritarismo que continua a impregnar certas
relações sociais, a democratização incompleta do Estado e da sociedade, os
níveis elevados de violência social e policial, as desigualdades (de renda, de
educação, de acesso à Justiça) extremas que ainda caracterizam a paisagem
brasileira”. Desse ponto de vista parte a seleção de artigos que compõem a
coletânea. No artigo de abertura, Daniel Aarão Reis expõe o vendaval de
modernização que varreu o país entre 1964 e 1979, com seus altos custos,
movidos pela ideologia do nacional-estatismo, cuja gênese ele localiza em outra
ditadura, a do Estado Novo. Miriam Hermeto fala do teatro em tempo fechado e Anderson
da Silva Almeida revisita o explosivo movimento dos marinheiros de 1964,
desafiando versões consagradas dos fatos e absolvendo quase todos os envolvidos
nos “distúrbios”.
Fonte: História Viva
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