Com o recente lançamento de A Dança dos
Dragões, livro 5 das Crônicas de Gelo e Fogo de George
R.R. Martin, é chegada a hora de enfiarmos uma estaca no coração de J. R. R.
Tolkien e sua trilogia O Senhor
dos Anéis. Como seus predecessores, A Dança tem sua
quota de dragões, espadas e feiticeiras, porém isso não torna o Sr. Martin o
Tolkien americano, como muitos têm falado. Ele é MUITO melhor que isso. A
série, que iniciou com A Guerra dos Tronos, em 1996, é como um imenso e
panorâmico romance do século XIX transformado numa fantasia multicor — algo
mais relativo a Balzac e Dickens que a Tolkien. O Sr. Martin escreve fantasia
para adultos de uma forma brusca, indecente e pé no chão que deve
caracterizar o filho de um carregador portuário de Nova Jersey. Seu personagem
principal é um rapaz que sabe simplesmente tudo sobre cuidado e tratamento de
dragões. Quem estiver assistindo seu trabalho na HBO, na série adaptada de A Guerra
dos Tronos, com certeza sabe disso.
Essa
série de televisão, que já está chegando na terceira temporada, fez aumentar a
audiência de George Martin muito além do que o esperado para um livro de
fantasia, fazendo com que o quinto livro da série fosse muito esperado — mais
de 750.000 cópias já foram vendidas.
O inverno ainda está chegando em
A Dança dos Dragões, assim como estava em A Guerra
dos Tronos, e o destino dos continentes místicos de Westeros e
seus Sete Reinos ainda estão em disputa, bem como as vidas de dúzias e dúzias
de heróis, vilões e aqueles alheios a essa classificação, aguardando para
aliarem-se a uns ou outros conforme os ventos da vitória tomarem um rumo.
Os
elementos de fantasia existem, porém são habilmente silenciados, forma pela
qual Martin desafia as convenções do gênero. Frequentemente o autor foca-se
mais nos atritos entre religiões conflitantes, na Kremlinologia de Westeros,
nos “enredos, tramas, sussurros, mentiras e segredos dentro de segredos” que
compõem A Guerra dos Tronos. A todo
momento esse cenário medieval ecoa nosso próprio tempo, esse em que mentirosos,
espiões e devotos estão por toda a parte.
Para os
fans, no entanto, o mais importante é que A Dança dos
Dragões tem a presença dos personagens mais populares de
Martin, incluindo Daenarys Targaryen, rainha da cidade de Meereen e “mãe” de
três dragões; Jon Snow, 998º lorde comandante da Patrulha da Noite; Arya Stark,
a filha de 11 anos do falecido Lorde de Winterfell, Eddard Stark; e a desonrada
rainha Cersei, da Casa de Lannister.
O livro
apoia-se na companhia de Tyrion Lannister, um brilhante, mas azedo anão cujo
humor, arrogância e absoluta humanidade fazem dele a estrela da série. Quando
Tyrion aparece, as Crônicas de Gelo e Fogo começam,
para a delícia dos espectadores amantes das narrativas épicas.
George
Martin é uma espécie de dançarino literário, encantado por personagens
complicados e uma linguagem vívida que acaba por explodir na visão selvagem que
só os melhores contadores de histórias
possuem. Sua maior criação é Tyrion. Como fugitivo que matou sua própria
família, ele assume diversos papéis no quinto volume da série: impostor,
soldado, tesoureiro, escravo, rato de rio e prisioneiro. Ele é parte de uma
piada literária de Martin ao criar um “anão aristocrata” ou “bem nascido”,
conhecido em Westeros como possuidor de uma sabedoria prática, proferindo
máximas como: “Não confie em ninguém. E mantenha seu dragão por perto.” e “Um
homem pequeno com um grande escudo deixará arqueiros malucos.”. Tais
observações mantêm os leitores de Martin extasiados e separam as Crônicas de Gelo e Fogo dos
romances de outros gêneros.
Os leitores ávidos para que
Martin amarre pelo menos algumas pontas de sua trama cheia de tentáculos,
porém, sairão desapontados da leitura do quinto livro, embora o destino de
alguns personagens fique mais claro. Os dragões de Daenerys estão crescendo na mesma
velocidade que seu vínculo com eles. Cersei percebe que a verdadeira humildade
e contrição não vem de forma fácil. Tyrion, por sua vez, forja um improvável
participante do futuro de Westeros. Ainda assim, A Dança dos
Dragões possui
uma generosa carga de aventura, o que pode ser uma união de forças de Martin
como forma de antecipar o final da série com os dois livros faltantes.
O maior
problema do livro é o descomunal número de 842 páginas da edição brasileira
(menor que as 1016 do original americano), que vem para somar 1,742,848
palavras na contagem dos 5 volumes dessa série gigantesca. Numa história desse
tamanho o leitor precisa embarcar em uma busca angustiante quando se perder no
enredo, desafio para o qual um bom sumário ajudaria bastante.
Por tudo
isso, A Dança dos Dragões atende
aos altos padrões estabelecidos por seus quatro antecessores. Como todos os
livros de séries famosas, ele não dá ao leitor alívio emocional, terminando com
vários pontos de interrogação, conforme as pesadas rodas do destino entram em
movimento. A medida que o livro vai chegando a seu final, o leitor é
bombardeado com suspense após suspense, enquanto lembra que o próximo livro de
Martin não será lançado na semana que vem, mas talvez daqui alguns anos.
Porém,
enquanto escrevo, sei que ficarei feliz por aferrar-me às duras e escamosas
costas desse dragão, aguardando o lançamento do livro 6, Os Ventos
do Inverno.
Portanto,
sim, o inverno ainda está chegando, Tolkien está morto e vida longa a George
Martin!